A fragilidade da economía brasileira

ATUALIZADO Dezembro 26, 2020

Tanto nos meios formais de informação – publicações jornalísticas, artigos científicos –, quanto nas redes sociais e conversas informais, o tema acerca das transformações sociais e tecnológicas ganha protagonismo. Tratar sobre observações quanto ao que circunscreve a vida cotidiana e apontar alterações não é prática contemporânea. Em realidade, muito do que a humanidade foi capaz de registrar em suas obras científicas e literárias reflete o anelo de compreender o sentido da mudança.

No tocante às ciências econômicas, pode-se observar a história do seu pensamento sob a ótica de como se concebe a mudança. Desde promovida pela acumulação de capital e escolhas individuais, para as visões econômicas clássica e neoclássica; pela luta de classes de Marx; desenvolvimento de capacidade produtiva do pensamento desenvolvimentista; da inovação tecnológica schumpeteriana; até da natureza das interações entre indivíduos e instituições do institucionalismo. Fato é: a mudança esteve e está no centro da visão de mundo, de crescimento, trajetória e desenvolvimento.

Ademais da realidade epidemiológica (pandemia de COVID-19) que passa a humanidade atualmente, antes já se falava de mudanças com potencial de gerar grandes transformações na sociedade, orquestradas pela 4ª Revolução Industrial. De acordo com o World Economic Forum (2020), 65% daqueles que entram na escola primária atualmente, trabalharão em postos que não existem hoje no mercado de trabalho. Em consonância com o processo de destruição criadora schumpeteriano, a “boa nova” da criação de postos de trabalho ocorre em paralelo a um processo de extinção de outros que representarão 7,1 milhões de empregos perdidos devido às inovações disruptivas.

Em muito a sociedade se beneficia com as inovações disruptivas que sintetizam a face tecnológica da 4ª Revolução Industrial, representada por direcionadores como Big Data, machine learning, inteligência artificial (AI), Internet das Coisas (IoT), novos materiais, biotecnologia, dentre outros. Em contrapartida, quais são os custos deste processo de transformação? Quais são os impactos sociais destas mudanças?

Estima-se que o saldo resultante entre a geração de novos postos de trabalho e a perda de postos vigentes representa um déficit líquido de 5,1 milhões de empregos nas economias (WEF, 2020). Este, não deve ser analisado apenas sob a perspectiva quantitativa. Qualitativamente, sabe-se que os postos que se extinguem com maior velocidade são os de menor qualificação, por representarem atividades repetitivas e padronizadas. Embora muitos de média e alta qualificação também encontram-se em risco, uma vez que compõem o novo paradigma tecnológico atividades que podem suprimir processos de inteligência e aprendizado.

O processo de mudança derivado do avanço tecnológico promovido pela 4ª Revolução Industrial não é novidade. Há mais de pelo menos dez anos, principalmente após a crise financeira mundial de 2009, gestam-se nas economias que encontram-se na fronteira tecnológica mundial planos econômicos baseados em políticas industriais que aceleram o desenvolvimento científico neste sentido (a exemplo da Industrie 4.0 na Alemanha, Advanced Manufacturing nos Estados Unidos, New Industrial Structure Visian no Japão, dentre outros). Mas qual é o sentido e impacto da mudança quando o rumo da transformação tecnológica sobre a intervenção de um fenômeno epidemiológico de dimensões mundiais como a pandemia de COVID-19?

O estudo do sentido de mudança ganhou um novo catalizador com o começo da pandemia, que afetou aspectos diversos relativos à vida econômica das pessoas, com alterações nas formas de trabalho e nos dos padrões de consumo e comercialização de bens e serviços. Importa ressaltar que, tanto devido aos efeitos no comportamento dos agentes econômicos – que tornaram-se mais conservadores em virtude do risco de contaminação e morte –, quanto às medidas de intervenção não farmacêuticas (isolamento, distanciamento social e quarentena), a COVID-19 tem impacto na economia por meio da oferta e demanda. Não é raro questionar-se: qual será o efeito resultante deste fenômeno no mundo? Os padrões antigos voltarão?

Tanto o fenômeno precedente – 4ª Revolução Industrial – quando o emergente – pandemia de COVID-19 inter-relacionam-se. No caso brasileiro, a distância em relação à fronteira tecnológica (atraso) deu relevo ao lado perverso das mudanças em curso. A economia brasileira já demonstrava, anteriormente ao início da pandemia, dificuldade em reencontrar o caminho do crescimento.

Além da fraca recuperação econômica observada nos últimos anos (após dois anos de decréscimo de mais de 3% em 2015 e 2016, avanço em média 1% do PIB nos anos seguintes1), ressalta-se a ausência de dinamismo, com aumento da subutilização da força de trabalho2 e do trabalho informal – que atingiu, em 2019, 41,1% dos brasileiros. Juntos, subutilização e informalidade, explicam grande parte da redução observada de 2017 para 2019 da taxa de desocupação3 de 12,7% para 11,9%,

1 1,06, 1,12 e 1,14% nos anos de 2017, 2018 e 2019, respectivamente (Contas Nacionais – IBGE). 2 trata de pessoas que, na semana de referência, trabalhavam habitualmente menos de 40 horas e gostariam e estavam disponíveis a trabalhar mais horas no período de 30 dias, a partir do primeiro dia da semana de referência. Esta amplia-se de 4,9% em 2014 para 7,5% em 2019, enquanto a desocupação avança de 6,8 para 11,9 (PNAD – IBGE). 3 conceito de desocupação refere-se às pessoas sem trabalho na semana de referência que tomaram alguma providência efetiva para consegui-lo no período de 30 dias (PNAD – IBGE).

aspecto que ratifica as bases pouco sólidas da recuperação pela qual passava a economia nacional.

O aumento da subutilização e informalidade decorre da incapacidade de criação de postos de trabalho em velocidade superior à substituição tecnológica. E este fenômeno corrobora a ampliação da vulnerabilidade de um contingente social que, frente à uma realidade de pandemia, encontra-se desassistido e com baixas perspectivas de reinserção produtiva no curto prazo.

Neste contexto, a pandemia evidencia a fragilidade da economia brasileira decorrente do atraso tecnológico. Setorialmente, também observam-se assimetrias: os empregos inseridos em áreas paradigmáticas – principalmente do setor de tecnologia – sentem menos o efeito em comparação àqueles tradicionais, atrelados ao comércio e serviços.

Assim, é importante salientar que há correlação entre a mudança tecnológica e a decorrente da pandemia. Os países que puseram-se ao amparo das novas tecnologias mais rapidamente puderam passar por um período de substituição tecnológica de maneira organizada e coordenada, além de criar uma estrutura produtiva mais dinâmica, apoiada em atividades baseadas em conhecimento e assim de maior resiliência.

Provavelmente, serão estes os países que irão desenvolver respostas mais adequadas aos desafios da pandemia de COVID-19. Em contrapartida, aqueles que mantiveram-se alheios à mudança tecnológica tiveram sua estrutura produtiva fragilizada e sofrerão mais profundamente com a crise do COVID-19, além de responder lentamente, de forma defasada, aos desafios da retomada.

No tocante aos questionamentos feitos: a mudança tecnológica sempre carrega consigo o ônus de extinguir o velho, porém, esta é inevitável. A escolha econômica dá-se em realizar este processo de forma coordenada, por meio da antecipação, ou caótica, quando as fragilidades do atraso expressam-se. Toda mudança tem custo e impacto social elevado, assim como também o tem resistir à mudança.

A sociedade pode se preparar para amortecer este custo, quando consegue antecipá-la, ou buscar os meios de se reerguer dos seus próprios escombros. Quanto à pandemia? Que a lição econômica aprendida seja a necessidade de celeridade nas respostas às mudanças, pois não se conhece o futuro, e as dores do crescimento fortalecem e preparam para resistir aos desafios. Os padrões antigos não voltarão, pois já encontrava-se em cursos mudanças profundas na econômica, assim, ainda há tempo para pôr ao amparo destas.

Fotografia: XPS

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