ATUALIZADO Dezembro 26, 2020
Este trabalho se refere à descrição sumária de uma filosofia para o traçado de um Plano Diretor; neste caso específico de ideias relacionando Plano Diretor com o desenho de uma cidade. Tratando-se de assunto complexo, muitos complementos ao que se escreve aqui serão necessários, porém, estas são as bases filosóficas de um Plano Diretor como deveria ser para se ter, entre outros resultados, melhor mobilidade e seus benefícios à população e ao governo. Simplificadamente, desenho urbano consiste na forma de traçar (ou desenhar) uma cidade estabelecendo padrões de sua ocupação. Aí começam os questionamentos aos desenhos de cidade atuais que afetariam a mobilidade urbana e cabe a pergunta: que padrões são estes, para quem e com qual objetivo?
Aravena esteve em Florianópolis para falar de Habitação Social e disse que a cidade deve ser um atalho para igualdade e, prosseguiu que, estrategicamente a moradia pode servir para diminuir a desigualdade; dependendo como se a insere na malha urbana, a moradia pode quebrar o tecido social, assim como afetar sua economia. Assim como a cidade serve como “mecanismo para sustentar contatos humanos” (Alexander), estes favorecem o desenvolvimento socioeconômico das pessoas. Como no emblemático texto de Jacobs no exemplo de Boston North End, ali permitiu-se um desenho urbano autossustentável sem auxílio de técnicas de urbanismo; mas, se baseou na espontaneidade dos contatos humanos.
Como na Arquitetura, desenho difere de um projeto porque este capacita-se a modificar comportamentos (Rapoport). Então um bom desenho urbano – porque existem péssimos desenhos urbanos – torna uma cidade mais igualitária para as pessoas por propiciar muitos contatos, ou interações sociais. Assim como uma edificação é uma mini cidade, esta se configura como uma grande edificação (Van Eick). Assim, o desenho urbano tem para cidade duas opções: inclusivo ou de sucesso ou excludente que leva ao fracasso, e a mobilidade perturbada é um sintoma de exclusão social.
Existem algumas formas de excluir (tornando-a pouco acessível) pessoas de um desa cidade apesar de geograficamente se situarem nela. A primeira é pelo custo da cidade que significa o quanto vai ter que gastar para “participar” dela; quanto custa um terreno para uma moradia, sua construção, por ex., será abordado em outra intervenção. A segunda é quanto custa em tempo e dinheiro (além do estigma do local onde mora) seus deslocamentos para o trabalho e outras amenidades, como escola, posto de saúde, hospitais e outras vantagens citadinas. Além dos custos da cidade para seu usuário, existe o custo para o poder público, ou seja, quanto custa para manter uma cidade, custos estes que devem ser repassados ao usuário gerando a espiral do empobrecimento geral gradativo; será abordado em outra intervenção.
Qual foi a causa destes problemas? Ao final da segunda guerra mundial a volta dos soldados combinado com a disponibilidade da indústria norte-americana produzir bens de paz, como geladeiras e automóveis ao invés de canhões e aviões, ensejou investidores de loteamentos criarem as Levittowns, local onde aos novos casais se apresentou o novo sonho americano. Estas se constituem de grandes loteamentos afastados do centro das grandes metrópoles. Com a gasolina muito barata e facilidade em construir infraestruturas criou-se novo tipo de cidade onde as pessoas moravam longe do trabalho, mas era fácil se deslocar ida e volta. Até chegar o ponto de algumas cidades da Flórida terem 25 zoneamentos distintos. Basicamente eram quatro zonas separadas: residencial, comercial, industrial e institucional. Para sair de uma para qualquer outra zona, era necessário carros.
Estes assentamentos modernos apesar de serem caríssimos, foram copiados por países pouco dotados, sem sucesso, aliás, com fracasso, pois o custo de implantação e gestão são caríssimos. São conhecidos como suburban sprawl (subúrbio espalhado) e tem outro problema que agrava custos de infraestruturas e a mobilidade: baixíssima densidade (entre 12 e 16 habitantes por hectare) e homogeneidade de uso; neste caso, só podem morar famílias, e mais preocupante quanto a sustentabilidade social, em geral tem a mesma renda em cada localidade. Com a homogeneidade de moradores, a grande tendência é terem o mesmo horário de saída e de volta ao trabalho, assim como das atividades escolares. Com isto a possibilidade de congestionamentos de tráfego aumenta, gerando um paradoxo apontado por Dwany, como sendo, quanto menor a densidade e maior a homogeneidade, maiores são os problemas de tráfego neste desenho de cidade.
Por outro lado, na questão do zoneamento fragmentado, as áreas de escritório, ou industriais ou institucionais acentuam os mesmos riscos das zonas residenciais, só que agravadas pelas longas distancias a serem percorridas para se irem também aos centros de compras. O aumento das distâncias a serem percorridas pelas pessoas inviabilizam o transporte coletivo, pois trafegar longas distâncias para buscar e entregar passageiros aumenta o custo da tarifa, fazendo com que o transporte público nestes locais sejam inviáveis. Existem variáveis envolvidas na viabilidade de transporte coletivo, por exemplo, densidade habitacional, heterogeneidade de uso do solo (ou diversidade) e geografia (se tem impeditivos ao tráfego como rios, mares, montanhas, por exemplo).
Estudo do Canada (Metro Toronto) aponta que o valor mínimo de densidade demográfica para dar viabilidade em terreno plano sem obstruções geográficas é de vinte habitantes por hectare; somente a partir de oitenta habitantes por hectare, um transporte público seria viável sob quaisquer circunstâncias; são fortemente subsidiados. E será mais viável ainda se houver heterogeneidade de uso do solo, por outro lado, menos viabilidade para homogeneidade.
Em resumo, um desenho urbano com diversidade de uso do solo, com densidades acima de oitenta habitantes por hectare certamente que terá resultado de baixos custos de implantação pelo poder público e igualmente para seus usuários. Existem outros efeitos positivos advindos destas medidas além da desejável interação social; estas práticas sociais também levam à diminuição da criminalidade, agregação de valor aos imóveis, significando enriquecimento patrimonial e melhoria das taxas municipais, como o IPTU e TCRS.
Fotografia: Kid Circus