Habitação social e a inovação tecnológica (P2)

ATUALIZADO Dezembro 26, 2020

Capítulo anterior desta coluna: Habitação e seus Princípios Básicos (P1)

Grandes potencias mundiais tentaram resolver o problema habitacional pelo caminho da estrutura física, a casa ou apartamento, usando alta tecnologia. Em primeiro lugar, a extinta União Soviética empregou inovativamente a pré-fabricação do concreto armado para produção e construção industrializada em larga escala. Apesar de ser um dos objetivos doutrinários, fracassou e nunca chegou perto da situação de resolver.

Em segundo lugar, mais tarde outra proposta de alta tecnologia no mundo, em especial, usando o sucesso na exploração espacial (emprego da NASA em colocar o homem na Lua); embora seja dirigido à população em geral, a crise da habitação (ainda vigente) da época, colocava na mesma situação de Habitação Social como se conceitua aqui.

Apesar de produzir módulos pré-fabricados (materiais diversos, mas a madeira dominando) a complexidade tecnológica da Operation Breakthrough (Operação Inovação, traduzindo mais objetivamente) resultou de altíssimos investimentos nos Estados Unidos no final da década de 1960 sem o resultado esperado; de positivo, inovou apenas no conceito de desempenho de sistemas e materiais de construção. Apesar de toda tecnologia e expertise técnico, fracassou por razões muito simples, que muitas delas continuam, infelizmente, sendo reapresentadas em “projetos habitacionais” até hoje mundo afora: o usuário não é consultado, falta flexibilidade ao projeto e desconsideração das condições ambientais.  

A consulta ao usuário se trata do princípio básico da inovação, pois produto sem demanda de mercado carece de sobrevivência, pois uma inovação não ocorreu. Agregado a este problema, tem falha propositiva das pesquisas, pois, as necessidades (do usuário) não são identificadas, não existe ligação entre necessidades e os pesquisadores, uma vez que novas tecnologias (inovadoras) são desenvolvidas, não existe conexão entre pesquisadores e usuários. Na Operation Breakthrough na década de 60 também não existia flexibilidade no projeto de modo a atender as necessidades variáveis dos moradores tanto no espaço (altamente rígido) interno quanto no externo, pois a cidade norte-americana era e continua igualmente homogênea, portanto igualmente rígida em flexibilidade às demandas da população em evolução.

A inserção das pessoas na cidade se constitui de uma das maiores falhas ambientais na proposta habitacional; primeiro que, sob a forma de loteamentos (urban developments) em baixíssima densidade, onde as distâncias às compras (e demais amenidades mais elementares da cidade, vide parte 1,) se alongam demasiadamente; casa préfabricadas somente usáveis em terrenos planos. Também se costuma usar aqui no Brasil a forma de quatro apartamentos por andar em H, significando desconsideração total a ventos e insolação, entre outras considerações ambientais.

A partir desta inicial pode-se explicar casos isolados de sucesso em programas habitacionais, para estimular, por exemplo, a inclusão sócio-territorial dos mais pobres. Primeiro pela proposta norte-americana bem mais inclusiva do agora chamado Novo Urbanismo (lançado como Neotraditional Urbanism) de Andrés Dwany. Segundo, pelo arranjo habitacional inclusivo, alavancador da economia dos mais pobres e de alta qualidade do imóvel na proposta realmente inovativa já testada com sucesso de Alejandro Aravena.

Terceiro, outra ideia que vingou muito bem no oriente, do modelo habitacional dos projetos autocontidos (tudo da cidade, na base dos edifícios) em Hong Kong na década de 50; também o sucesso do plano habitacional de Israel, embora associado com estratégia territorial, mas com inovação no sentido do financiamento.  

O Novo Urbamismo procura recriar as situações de grande heterogeneidade de uso e densidade bem mais alta que as convencionais, pelo recurso das abordagens mais vernaculares no urbanismo; se propõe a entrar na onda das “novas cidades” e gerar ambiência habitacional próxima da sustentabilidade. A melhor lição de Israel vem do lado macro-econômico, pois validou (sem este objetivo, no entanto) a tese da necessidade de investir 8% do PIB em Habitação de modo a manter estoques sem flutuações cíclicas de mercado.

O mais evidente destas análises vêm do fato de todos os erros do planejamento habitacional advirem de detalhes da desconsideração ou mesmo atenção equivocada ao usuário; em especial, o detalhe de acerto da estratégia habitacional de Israel advém do financiamento da pessoa e não do imóvel. A partir destas constatações de maior relevância parte-se para a situação real da habitação indissociável do urbanismo como parte indissociável de uma proposta inovadora pari passu de solução; outro detalhe positivo em pensar habitação também como estratégia, preferencialmente, a social. Também que se levante uma hipótese de como lidar com a participação popular com o paradoxo da consideração do usuário leigo da cidade com o poderio exagerado que a ele se pretende alocar seria outro lado do equacionamento: funciona?  

Na proposta do arquiteto chileno Aravena, além de uma nova equação financeira, muitas outras facetas inovadoras se agregaram com sucesso quebrando paradigmas que acima pontearam macro insucessos das grandes intervenções norte-americanas e soviéticas. A primeira se trata de uma empresa privada empreender (projeto e construção), neste complicado setor, Habitação Social, onde a política sempre imperou. Segundo foi o emprego da pré-fabricação em concreto armado que possibilitou flexibilidade de projeto, ou seja, atendendo a evolução da família/moradores em transição, outro paradigma quebrado; este se trata de um dos mais importantes, inclusive pouco revelado na literatura do setor.

Existe uma rara inovação tecnológica perceptível que este profissional criou. Esta vertente editorial acadêmica sempre se preocupa em ver aspectos técnicos ou de projeto visando o resultado, porém, sempre vê o “aspecto monumento” e esquece do usuário, ou aos seus benefícios. A estrutura física gerada com baixo custo, porém com alta qualidade ao invés de se desvalorizar, como acontece na quase totalidade ou maioria dos “empreendimentos habitacionais”, se valoriza, entre outros motivos, pela inserção na cidade.

O usuário recebe metade de uma boa casa e a pode acrescer para suas futuras necessidades espaciais com segurança, pois a estrutura mínima da casa já está pronta e prevista para tal. E, se tem na gestão do processo de projeto, um diálogo em que ao usuário se responde o que realmente vai lhe satisfazer e não o que “pensa” querer. O que se entrega difere de um desenho pronto estático e sim um ponto de partida de um projeto para acomodar a evolução do grupo dos moradores, mantendo a configuração arquitetônica ao contrário dos desenhos engessados convencionais, enfim uma arquitetura megalítica.

Em outras palavras, significa uma sensação de deslocamento por suprimir a temporalidade da tecnologia e a familiaridade do elemento tectônico (colunas, janelas, por exemplo) sem ativismo político ou sem atitude projetual panfletária. E provou uma forma eficaz de usar a participação do usuário no projeto de uma habitação com real inovação à qual levará aos seus usuários um desfrute de conforto e qualidade às suas expectativas.

Em verdade, este trabalho procurou encontrar sentido para estabelecer a possibilidade ou não de aplicar inovação tecnológica para um setor extremamente carente de boas soluções. Descobre-se que o conceito inovação, apesar de usado em muitas iniciativas como na União Soviética no seu massivo uso de estruturas de concreto armado em peças imensas para projeto habitacional e nos Estados Unidos na Operation Breakthrough, não surtiu efeito, ao contrário, retumbantes fracassos.

No primeiro caso porque ao povo inexiste voz. Ao segundo, porque caiu na mão de grandes corporações na lógica arrogante da analogia da admissão da enorme capacidade tecnológica em enviar a humanidade à Lua. Erraram fundamentalmente em não ouvir um dos mais simples desejo do ser humano e transformá-lo em objeto de uso diário, a casa, inserida na cidade e suas variabilidades ambientais.

De destaque neste trabalho, se tem o Novo Urbanismo entrando como inovação desde que se contrapõe ao Urbanismo atual, à parte que está de questões urbanísticas por desprezar a questão social (relacionamentos), e adotar falsos paradigmas de sustentabilidade. O esquema habitacional de Hong Kong nasceu ainda longe da perfeição, mas depois, dela se aproximou bastante e serviu para muitos outros países asiáticos; enfatizou o acesso à cidade por trazê-la para dentro do esquema; começou dentro daquilo que sempre tratou a Habitação Social, ou seja, construir dentro de um orçamento contido e as unidades habitacionais todas iguais, mas depois, dentro do sucesso maior que o esperado, fez modificações para acomodar os perfis de moradores diversificados.

No Brasil, nem com o conhecimento acima, tanto as autoridades do setor Habitação Social quanto a Academia (com exceções) permanecem aferrados a dogmas, mantendo uma postura de oferecer numa sapataria apenas dois números de pés, baseado num programa de necessidades saindo de um cadastro sócioeconômico. Até quando?

Fotografia: Ricardo Gomez Angel

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