Linguagem gráfica do Evandro Carlos Jardim

ATUALIZADO Dezembro 19, 2020

Evandro Carlos Jardim começou seus desenhos com paisagens e situações que ele via no seu cotidiano. Tudo era anotado e rapidamente esboçado em qualquer papel que ele tivesse por perto, por mais simples que fosse. Depois de um tempo, outras coisas foram adicionadas com os esboços, como por exemplo, recortes de jornal. Além de papéis também havia cadernos, que até hoje existem e, apesar de ser a “alma” de suas gravuras, nem todos são expostos com a obra final.

Um aspecto importante de suas obras e da sua personalidade é que o artista estudava a gravura de uma forma completa. Tinha todo o conhecimento dos metais que usava, de todas as madeiras que fazia a xilogravura (mesmo sendo poucas suas obras com xilogravura, ele possuía grande conhecimento sobre o processo) e principalmente de todos os papéis para impressão que eram utilizados, mesmo que isso interferisse na qualidade de suas obras. O importante para ele sempre foi conhecer seus materiais e testar todos os possíveis para poder realmente ter um domínio das técnicas.

Evandro Carlos Jardim era um grande estudioso daquilo que trabalhava, ele ia muito a fundo das técnicas, assim como ia atrás da história para entender tudo o que estava no seu alcance sobre a gravura, todas essas informações faziam a essência de seu trabalho, deixava de uma forma jardiniana. Para ele, a gravura era interessante porque tinha uma história, porque tinha memória e tempo, e ele se embasava muito nisso para poder continuar a história da gravura, não de forma estética, mas sim de forma técnica, de uma maneira processual. Todo esse contexto histórico e técnico que formou o projeto de Evandro Carlos Jardim, todo esse processo de aprendizagem que o fez ser o artista que ele é.

Sem entender o meio você não faz arte. E esse entendimento acontece em vários níveis, e aí é que nós vamos ter que ter boa educação, sensibilidade, acuidade para perceber. Eu acho que o que acontece é que as pessoas não percebem. Dominar o meio é chegar a um conhecimento da técnica tão íntimo que lhe permita submetê-la à sua intenção. Dominá-la e não ser dominado por ela, ou melhor, não ser limitada pela insuficiência de destreza na utilização dos seus próprios recursos. Quando se instituiu o Manual na gravura, acabaram com ela.

Evandro Carlos Jardim

O cunho histórico do artista pode ser visto no seu aprendizado com provas de estado. Em algumas provas, ele fazia anotações dos próximos passos a serem feitos e até de esboços para o próximo momento da sua obra, da mesma forma que era feito nos ateliês do século XVII. A diferença do que era feito antigamente pelo que foi feito por Evandro Carlos Jardim, é que esses esboços e anotações fizeram parte realmente da obra final, elas formavam o conjunto da arte feita.

Todos esses procedimentos foram essenciais para algo muito particular da obra de Evandro Carlos Jardim: ele tirava provas de estado e logo depois alterava a matriz, complementando-a e tirando novas provas. Esse processo dá ênfase a importância que o artista dava para a memória e o tempo: A memória é encontrada por suas obras serem de observações que ele fez, de coisas anotadas e lembradas; O tempo é visto nessa mudança da matriz, onde um desenho é feito no metal, e outro o complementa depois, mostrando um movimento, deixando claro que se passou um tempo.

Outro aspecto que se manteve comum em sua arte foi a escrita, ela começou a fazer parte do desenho, não a apenas servir de esboço ou de anotação para um próximo passo, mas ela se tornou um elemento de suas obras em conjunto com os desenhos.

Evandro Carlos Jardim sempre morou em São Paulo e sempre teve fascínio pela cidade. Gostava de conhecer e de observá-la, pegava ônibus sem saber o ponto final, apenas para descobrir caminhos e lugares. Quando começou a precisar se locomover de trem e bonde, sempre preferiu pegar o que havia o caminho maior, para poder apreciá-lo.

Os minutos que passava nos transportes eram de muita observação e esboços: eram esses os momentos em que ele anotava e desenhava tudo o que via, que serviam de inspiração para suas gravuras. Suas obras refletem muito isso: possuem aspectos que na rotina comum ninguém percebe, como grãos de café caídos no chão, caixas de papelão que haviam voado e grafites da cidade.

O Jaraguá é uma importante figura para Evandro Carlos Jardim, pois ela ressalta todo o seu fascínio por São Paulo. Ele queria uma forma de representar a cidade com uma figura específica, mas o Jaraguá não apareceu logo de primeira. Ele tentou representar com postes, torres, casas, mas tudo isso era comum em todos os lugares do mundo, então surgiu o Jaraguá, este que já era comum de ser visto em suas primeiras gravuras. Após isso, o Jaraguá começou a aparecer com frequência em todas as imagens que aconteciam em São Paulo, e apareceu ainda algumas vezes somente ele, como um gravura única.

O artista possui outras figuras que frequentemente aparecem em seus trabalhos, por possuírem significados. Elas não aparecem sempre da mesma forma, possuem diferenças de ângulos e percepções, mas que no fim das contas seguem tendo o mesmo significado. O livro Evandro Carlos Jardim (MACAMBIRA, 1998) mostra algumas dessas figuras com seus significados: Árvore (passagem do tempo), Caixa ao vento (vento), Casa/ateliê (o próprio artista), Cavalo (morte), Círculo (tempo, espaço e memória), Flor (emblema do tempo), Insetos (verão), Jaraguá/Montanha (São Paulo), Pássaro (Espaço, movimento), Postes (urbano), Tinteiro (escrita).

Não consigo desenhar uma coisa qualquer. Só desenho quando já convivi com aquilo, já tentei entender isso. São poucas as figuras que eu uso. Na verdade, são sempre as mesmas. Uma vez que entram para esse jogo, elas ficam e não abro mais mão delas.

Evandro Carlos Jardim

Fotografia: Teo Zac

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